quarta-feira, 31 de março de 2021

20 anos de Capoeira na Apae de Biguaçu

           A festa está adiada por motivos óbvios, mas o registro é essencial. Em março de 2001, numa das etapas do projeto ‘Subindo a Ladeira’ - que era composto por apresentações de Capoeira e Maculelê nos morros, periferias, casas-lar e de idosos, somado à distribuição de cestas básicas -, chegamos à Escola Especial Leandro de Azevedo, APAE de Biguaçu, pela primeira vez.

Era um período em que as APAEs, entidades privadas de utilidade pública, ainda não recebiam os recursos oriundos do Fundo Social, posteriormente estabelecidos pala Lei 13633/05, o que trouxe uma melhora significativa na qualidade dos serviços prestados nessas instituições por conta do maior investimento de verba pública. Antes, as dificuldades faziam com que as nossas cestas básicas oferecidas tivessem uma grande valia para a escola e fossem bem aceitas.

Naquele dia, pela descontração da apresentação de Capoeira, que possibilitou a participação dos alunos da APAE, com deficiências distintas, surgiu a motivação de se propor um trabalho, o que foi aceito de imediato pela então diretora, Izalete Junckes.

Foi o início de um vínculo forte que perdura até hoje e já rendeu belos frutos. São diversos graduados com vinte anos de prática, dentre os quais se destaca a cativante Viviane Barbosa, a Raposa, por sinal, também aniversariante em março. Vai o nosso axé em palavras.

Alguns de nossos amigos daquela primeira turma (foto abaixo) já nos deixaram de corpo, mas certamente iluminam o nosso caminhar e as nossas rodas. Com eles, os presentes e os que acompanham em luz, gravamos CD, fizemos inúmeras apresentações, participamos e fomos vencedores do ‘Festival Nossa Arte’ (Fase Regional), estivemos juntos na construção da ‘Gincana Solidária’, e mais recentemente, fomos idealizadores do ‘Encontro Catarinense de Capoeira Especial’ junto à Fundação Catarinense de Educação Especial. A grande realização, porém, é a mudança para melhor do espírito de todos os que já tiveram a possibilidade de sentir a energia desses grandes capoeiras.

À Escola Especial Leandro de Azevedo, o Projeto Capoeira na Escola agradece pela parceria de vinte anos de aprendizado mútuo.

Parabéns!



quinta-feira, 11 de março de 2021

25 anos de Projeto Capoeira na Escola (Por: Mestre Tuti)

No ano passado, comemoramos o aniversário do Projeto Capoeira na Escola com uma linda roda na Praça de Biguaçu. Uma semana depois, iniciavam-se as orientações sobre isolamento social devido à pandemia, o que perdura até hoje e não se tem previsão real de normalidade. Por conta desse momento histórico triste para a humanidade, sobra apenas a possibilidade de revisitar a história do Projeto Capoeira na Escola por meio do texto que segue, permeado pela esperança de que em breve possamos estar juntos e seguros para uma comemoração presencial.

Sobre o ano de início, 11 de março de 1996, e seu contexto já escrevi em outros aniversários. Portanto, dessa vez procurei montar uma lembrança diferente, com aspectos ainda não registrados em forma escrita. Para isso, recorri às fotos, que trouxeram à tona muitos atos importantes, sobre os quais relatarei em forma de tópicos. Antes, porém, segue um pouco de relato sobre o pré-projeto.

Antigamente, se é que já é possível denominar assim os anos finais da década de 1980, não havia projetos sociais de Capoeira na Grande Florianópolis aos moldes dos que se têm hoje. No máximo, existiam raras bolsas para alunos carentes cedidas e decididas pelos poucos educadores da época. Fora isso, quem quisesse treinar tinha que pagar mensalidade, independentemente de ser criança, adolescente ou adulto.

Vindo de família numerosa e, no período, com grandes dificuldades financeiras, treinei pagando mensalidade durante meus três primeiros anos, graças a alguns quintais capinados, umas pipas vendidas e, principalmente, ao esforço colossal da Dona Ana, minha mãe. Mas, o Plano Collor aumentou a desigualdade social e com isso tornou-se inviável continuar honrando a merecida taxa de meu Mestre enquanto a boia se escasseava em casa.

Lembro-me nitidamente de quando fui relatar a situação a Mestre Pop e ele me disse que poderia trocar uma bolsa por ajudas na academia. Feliz da vida por poder continuar os treinos, lá fui eu ao melhor estilo “Karatê Kid”: chegar mais cedo para varrer e passar pano na sala; pintar as paredes e grades; organizar os instrumentos; fazer panfletagem etc.. Nas mercearias e minimercados próximos, com a ajuda de minha bicicleta e de uma caixa de madeira, vendi até os doces e bolos que a Dona Cleusa, então esposa de Mestre Pop, fazia como ninguém. Não à toa, seu apelido era Cuca, a qual agradeço em memória.

Em janeiro de 1992, com 17 anos, fui indicado pelo Mestre para dar aulas na Associação de Moradores do Morro do Pedregal, em São José. Era uma ação proposta pela Congregação das Irmãs Salesianas e que teve como frutos a participação de vários alunos nas atividades do então Grupo Nação por longo período e uma melhoria pontual nas minhas condições econômicas. Como curiosidade, achei há pouco tempo um dos recibos e fiz a atualização monetária. Os quarenta e dois mil cruzeiros (Cr$ 42.000,00) percebidos valeriam hoje aproximadamente quatrocentos e sessenta reais (R$ 460,00), o que estava ótimo para um jovem ministrando duas aulas semanais.

Um ano depois, passei a realizar um trabalho onde estudava, o Colégio Estadual Rosa Torres de Miranda, e também na Associação dos Servidores do BESC (Bescri), ambos no bairro Jardim Atlântico, Florianópolis. Depois de já ingressado na Faculdade de Educação Física, o Grupo Nação foi convidado para um evento em Curitiba, em 1995, onde Mestre Pop teve contato com um projeto similar ao que posteriormente ele implantou por aqui e intitulou de ‘Projeto Ginga Criança – A Capoeira na Escola’.

Por motivos que mereceriam muito texto, Mestre Pop funda, em 1996, o Grupo Aú Capoeira e distribui vários alunos para fazerem seus trabalhos nas cidades de Palhoça, São José, Florianópolis e Biguaçu. Neste último município, o começo das aulas contou com os educadores Tuti, Bacana, Amantino e China.

Como falado no começo, a partir desse ponto já escrevi em outros aniversários, porém, creio que seja válido relembrar brevemente algumas ações feitas nestes 25 anos do Projeto Educacional Capoeira na Escola:

  • A Sociedade Recreativa 17 de Maio, local de início das aulas do Projeto, foi um espaço consolidado durante muito tempo de prática cultural tendo como eixo a Capoeira. Por ali passaram grandes Mestres, verdadeiras enciclopédias: Pop, João Pequeno, Gildo Alfinete, Vuê, Ciro, Boa Gente, Toni Vargas, Pele do Tonél, Nenel, Xaréu, Cafuné, Boinha, Piloto, Mudinho, Pé-de-Chumbo, Boca Rica; sempre em sintonia com as centenas de crianças, adultos (inclusas as pessoas com deficiência) e idosos.
  • As aulas do Projeto se estenderam para a Escola Especial Leandro de Azevedo (Apae) em 2001, e, como se completam 20 anos agora, vale um texto posterior específico.
  • O CD ‘Declaração de amor à Capoeira’ foi produzido em 2005 e contou com a participação de mais de trinta crianças dos diversos núcleos, alunos da Apae, e dos Mestres Gildo Alfinete e Boca Rica, além da participação do então professor Habibis, e dos saudosos: percussionista Nícolas Malhome e os músicos Marcelo Muniz (ex-Grupo Engenho) e sua filha Andiara, no auxílio da produção.
  • Fruto de uma coletânea de textos publicados em jornais e no próprio site, o Projeto produziu o livreto ‘Capoeira não é só jogo’.
  • Levando para o Teatro a diáspora africana sob o olhar dos capoeiristas, em 2004, foi produzida a peça ‘A Raiz da Liberdade’, que agora, com a reinauguração do Teatro Adolpho Mello, em São José, clama-se por uma releitura.
  • O Projeto originou uma homônima associação sem fins lucrativos declarada de utilidade publicada no município e no estado pelos serviços prestados à comunidade.
  • Foi apresentada à municipalidade a importância de se ter um espaço seguro para as rodas de Capoeira realizadas na Praça Central. Com a anuência, os integrantes do Projeto literalmente colocaram a mão na massa, retirando os ‘petit paves’, soldando o arco e colocando a tela de arame, concretando e polindo a nova roda. O espaço é democrático e de uso público para qualquer grupo, seja de Capoeira ou de outras manifestações culturais.
  • A Associação Capoeira na Escola propôs (Lei municipal) e produziu várias edições da Semana Afro-Biguaçuense, composta por exposições de artesanato, vestuário, livros e discos, oficinas de manifestações culturais, palestras, degustação gastronômica e apresentações artísticas.
  • Eventos grandiosos como os Intercâmbios Catarinense e Nacional de Capoeira, o Simpósio Catarinense de Capoeira, o Encontro Catarinense de Capoeira Especial caminham nesse registro junto aos eventos de menor alcance quantitativo como os Festivais de Cantigas, de Acrobacias, Noites do Conto, Grupo de Estudos etc..
  • A coreografia ‘África-Brasil’ foi apresentada no Festival de Dança de Joinville e foi vice-campeã do Prêmio Desterro, Festival de Dança de Florianópolis em 2013.
  • Além das rodas mensais, o Projeto organizou doze edições da ‘Roda da Madrugada’, atividade que se iniciava à meia noite e se encerrava com o nascer do sol, e a roda ‘Eu já joguei Capoeira’, contando com a participação de alunos e ex-alunos.
  • Recentemente, a Associação fez o resgate do folguedo do Boi-de-mamão trazendo ainda mais movimentação cultural para Biguaçu. 

Por fim, caso você tenha lido até aqui, é certo que, em algum momento, você fez/faz parte dessa história, seja como aluno, educador, familiar, amigo, colega de outros grupos ou das escolas atendidas, admirador, testemunha ocular, e é a você que agradeço e divido os parabéns por sua contribuição nessa honrosa jornada.

Axé.