Martin
Luther King Jr. e a corredora de Biguaçu.
Por: Fernando Bueno (Mestre Tuti)
Eu
senti no meu organismo os benefícios da corrida de rua faz uns cinco anos, mas
confesso que, mesmo treinando capoeira, jiu-jitsu e musculação há décadas, correr
é uma atividade um tanto quanto sofrida para mim. Caso não existisse o prêmio do
prazer das endorfinas pós-esforço, certamente eu já teria parado de correr.
Embora
já tenhamos participado de algumas competições, eu e minha companheira (Lelê) temos
a autoconsideração de sermos amadores dos amadores. Não temos pretensão, nem
genética e nem idade para competir para vencer uma prova, muito menos de
vivermos somente para este esporte viciante. Por outro lado, o fato é que,
mesmo que despretensiosamente, fazendo sol, chuva, frio, calor, estamos
rotineiramente treinando nossas corridas.
Dia
desses, feriado numa quinta-feira, o treino programado era o de fazer tiros de
1km com uma velocidade maior do que a objetivada para uma prova. São estímulos
que fortalecem a resistência à velocidade, ou seja, quando correr no ritmo de competição
(meta pessoal), o atleta conseguirá manter esse ritmo por mais tempo. O local
escolhido foi o belo Loteamento Deltaville, em Biguaçu (Grande Florianópolis -
SC).
Nos
intervalos dos tiros, um breve descanso e avistávamos uma senhora com passada
firme, não muito rápida, mas contínua. Falamos juntos: “Essa é corredora!”. Coincidentemente, terminamos nosso treino e
quando estávamos nos dirigindo ao carro, ela estava chegando ao dela,
estacionado em frente ao nosso. Para descontrair, perguntei se por hoje bastava
de treino. A conversa pegou e ficamos uns quarenta minutos ali, entre
endorfinas, risadas e aprendizado.
O
nome dela é Elza. Havia acabado de correr 10km como último treino “leve” antes
de sua primeira maratona, a ser disputada no domingo seguinte, em
Florianópolis. Isso, por si só, já impressiona, pois como diz o doutor e
corredor Drauzio Varella: “Maratona não é
para aventureiros”. Acontece que ela já havia participado de mais de vinte
meia-maratonas e mais de duzentas provas no total. Sente-se: em menos de cinco
anos! Portanto, ela estava longe de uma aventura, e, em vez disso, muito perto
da realização de um sonho a ser conquistado com muito suor.
Fazendo
um paralelo aos treinos de Capoeira, sempre uso o discurso aos meus alunos de
que é melhor continuar, mesmo que esporadicamente, do que parar por completo e
depois tentar retomar. O retorno é muito mais difícil do que o começo de
aprendizado de qualquer modalidade. Envolve muito desprendimento em aceitar que
seu corpo não é mais o mesmo; que vai demorar a ter novamente as habilidades e
qualidades físicas que tinha; que os colegas de treino desenvolveram muito e
que agora não é possível acompanhá-los na mesma intensidade de antes; além das
dores, que o iniciante empolgado nem sente, mas o veterano...
De
volta ao tema, decidimos assistir à maratona no domingo para testemunhar a
almejada conquista. Em torno de quatro
horas depois da largada, num sol escaldante das onze da manhã, entre
inimagináveis diferentes expressões faciais de pessoas completando os mais de
42 quilômetros, lá vinha ela: correndo com um olhar sereno de quase sorriso,
introspectiva e sozinha, a poucos metros de me fazer entender ainda mais a frase
do pacifista pastor, que trago para minha vida e tento passar aos meus:
“Se não
puder voar, corra.
Se não puder correr, ande.
Se não puder andar, rasteje,
mas continue em frente de qualquer jeito.”
Depois de presenciar
aquela chegada emocionante, cada dia que a preguiça bate, e eu a venço, lembro-me
de agradecer em pensamento à Dona Elza e ao Nobel da Paz, Martin Luther King
Jr.