A luta
de Zumbi continua...
Os conflitos entre
negros e índios escravizados pelos europeus, em particular, portugueses e
espanhóis, foram constantes nos quase quatro séculos de escravidão brasileira.
Os atos de barbárie contra os negros mantidos a força eram a tônica de um
comportamento social permitido à época: legal, jurídico. A escravidão era
mantida e permitida pelo Estado Brasileiro e chancelada pela Igreja. O que chama
a atenção neste período é a forma de se ver e tratar o outro: uma espécie de
animal que falava.
O século XV foi de
grandes descobertas científicas, culturais e de identidades nacionais. Incrível
como essas iniciativas desenvolvimentistas não foram capazes de deter o
processo anticivilizatório que era representado pela economia escravagista no
mesmo espaço de tempo. Esse quadro histórico é de suma importância para
percebermos que o sistema econômico - quando entendido e desenvolvido através
das lentes da justificativa da lucratividade plena - faz pessoas e meio
ambiente serem meros coadjuvantes, ou seja, não se medem as consequências imediatas
e futuras.
Zumbi entra na história
nacional em um desses hiatos históricos. A Serra da Barriga no ano de 1695
transformou-se no maior polo de ações contrárias ao escravismo e aquela forma
de vida que sustentava a economia nacional, os privilégios da realeza e das
famílias dos senhores de engenho, sem recebimento de salário ou condições
mínimas de subsistência. A economia brasileira não conseguiria se desenvolver
sem a presença dos africanos no Brasil. Não há nada que tenha sido construído
neste país que não tenha a força de trabalho dos povos escravizados como
protagonistas.
No continente
africano, esses povos formavam nações ricas e cultas, o berço da civilização e
do desenvolvimento humano. Pensemos na sociedade egípcia. No entanto, quando
pisaram em solo nacional, foram transformados em uma única massa: em escravos
negros. Este ainda é o pano de fundo de uma história mal contada e uma Abolição
não-conclusa.
Infelizmente, o dia
20 de novembro, data do assassinato e esquartejamento público de Zumbi dos
Palmares, ainda é só para os negros. Impressionante como a teoria do
embranquecimento ou da branquitude ainda determina os feitos históricos de
todos os povos que construíram e sustentam a economia deste país até os dias
atuais. A invisibilidade do Poeta Cruz e Sousa, da Deputada Antonieta de Barros
e a não aplicabilidade das leis federais 10.639/03 e 11.645/08, comprovam esta
atitude preconceituosa, do ponto de vista histórico. Concomitante, pelo menos
desde 1991, estamos a viver sobre os ataques de grupos neonazistas. O caso recente
e específico da UFSC demonstra como esses grupos racistas e fascistas estão
crescendo, sendo fortalecidos e agindo publicamente em espaços de saber e de
mudanças comportamentais. A maior Universidade de Santa Catarina não sabe o que
fazer para proteger o direito dos alunos negros que ingressam em seus cursos
anualmente.
A barbárie que citei
acima persiste em ser determinante. A desconstrução do racismo requer a quebra
deste autoritarismo eurocêntrico que não reconhece a importância de outras
civilizações. A Eugênia ainda é uma teoria que sustenta privilégios embasados na
cor, no sobrenome e em uma história inventada. O Estado administrado desta
forma ainda não está preparado para reconhecer e trabalhar com as diferenças
étnicas.
Quando analisamos os
governos das quatro maiores cidades da Grande Florianópolis e do próprio
Governo do Estado verificamos que sequer temos um secretário (a) negro (a) no
meio de centenas deles. Neste sentido, como as crianças negras irão sonhar um
dia em pertencer a este espaço? A desconstrução de um povo se dá quando você
impede o seu direito de acessar espaços que são seus por direito. Por isso, a
saga de Zumbi ainda continua, pois só o desmonte da escravidão não foi
suficiente de garantias constitucionais para os negros. Já se passaram 128 anos
da assinatura da Lei Áurea e ainda não atingimos o patamar de igualdade sonhada
pelos quilombolas de todo o Brasil.
O caminho a ser
percorrido pelos negros brasileiros ainda é tenso e nebuloso. O projeto de
enfraquecimento de sua identidade cultural e patrimonial ainda é o grande
entrave para que ele se veja e assuma sua negritude abertamente. Desconstruir
todas as teorias e grupos racistas não será algo simples e fácil porque não
estamos instrumentalizados pela escola, economia, artes e cultura. Este 20 de
novembro terá que ultrapassar a comemoração e ganhar as ruas. Precisamos
realimentar nossos sonhos de liberdade econômica, cultural e histórica.
Marcos
Canetta, Historiador e Professor da Faculdade IES.
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