Por: Mestre Tuti
Fui a um evento de um amigo de longa
data e vivenciei pela segunda vez em todos os meus trinta anos de capoeiragem
alguém fazer uma chamada (passo a dois) no toque de ‘Benguela’. A primeira vez
foi há uns vinte anos; na época eu não tinha o senso crítico de hoje, tirei uma
onda do camarada e ficou por isso. Agora, nessa segunda vez, não posso me
furtar de escrever algumas reflexões, sob pena de ser conivente com as diversas
reações dos capoeiristas também presentes e de negar o meu convívio com a Turma
de Bimba.
Após um tempo de andamento, o toque
pedido para a bateria foi “Benguela”. Os instrumentos estavam dispostos da
seguinte forma (dir. p/ esq.): agogô; atabaque; três berimbaus e dois
pandeiros. Houve uma rápida troca de informações entre os componentes da
bateria, pois quem estava no berimbau grave (Berra-boi) é defensor da Capoeira
Angola; portanto, distanciado por opção de um toque derivado da Capoeira
Regional. Vendo o impasse, alguém disse: “É o toque de Angola com mais uma
batida da nota presa (com o dobrão).”.
Parece uma pergunta batida, mas é
necessária para esse texto: “É Banguela ou Benguela?”. Mestre Toni
Vargas sugere, em seu último disco, perguntar a Seu Bimba. Sintetizo
essa sugestão no fato de olhar a capa do disco de Mestre Bimba - Curso de
Capoeira Regional - e constatar que ali está escrito “Banguela” (com ‘a’).
Alguns até cometem a injúria de dizer que Mestre Bimba queria dizer “Benguela”,
mas não o fez por questões de dificuldade de pronúncia. Mestre Bimba, com a
assessoria de seus alunos universitários, que dialogavam até sobre a melodia e
o encaixe das letras nas quadras, permitiria um “erro gráfico” em seu disco?
Penso eu que não. Assim, para o Mestre e criador do toque, era Banguela mesmo.
Mestre Nenel confirma e acrescenta que
o toque de Banguela não é “o toque de Angola com mais uma batida da nota
presa”; demonstrando, com fidelidade ao disco, a base do toque como
sendo: “um chiado, uma solta (sem o dobrão) e apenas uma presa (com o dobrão)”.
Segundo ele, desde que seja harmônico com o que está na gravação de Mestre
Bimba, tudo o que vem além da base citada seria variação do toque criado por
seu pai.
A visão holística de Mestre Nenel
permite afirmar que o toque de Benguela (com ‘e’) até existe, mas que não foi
criado por Mestre Bimba. É uma mistura do toque de Angola com variações da
Banguela, em que se permite tocar numa bateria (com três berimbaus), que foi
denominada de Benguela.
Vale destacar que os toques da Capoeira
Regional – Banguela, Idalina, São Bento Grande, Amazonas, Iúna, Santa Maria e o
Hino - são tocados apenas em charanga: um berimbau e dois pandeiros.
A Capoeira é essencialmente dialética e
dinâmica e por ser uma manifestação que se espalhou pelo mundo muito
recentemente recebe milhares de análises em seus diversos aspectos – teórico,
técnico, didático, tático, filosófico etc. - e cada uma delas baseada na
realidade de cada norteador de um trabalho (entenda-se: Mestre, Professor,
Instrutor etc.). Até aqui, vemos a fortaleza da Capoeira: a junção dos diversos
pontos de vista que fazem com que ela não seja monopolizada em única verdade;
e, sim, descentralizada em diversas faces de uma mesma manifestação. O que não
é salutar é a imposição de uma verdade em detrimento de outra, gerando a perda
de criatividade e a estabilização dos conhecimentos.
Desta forma, é difícil dizer que algo é
errado na Capoeira. Como “condenar” (com risos, espanto etc.) o cidadão que fez
uma chamada no toque de “Benguela” tocado numa bateria de Capoeira Angola? Eu
prefiro deixá-lo com a sua verdade.
Inscrições no link: http://bit.ly/capoeiraregional
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