quinta-feira, 27 de junho de 2019

Imersão em Capoeira Regional: Chamada na ‘Benguela’


Por: Mestre Tuti

Fui a um evento de um amigo de longa data e vivenciei pela segunda vez em todos os meus trinta anos de capoeiragem alguém fazer uma chamada (passo a dois) no toque de ‘Benguela’. A primeira vez foi há uns vinte anos; na época eu não tinha o senso crítico de hoje, tirei uma onda do camarada e ficou por isso. Agora, nessa segunda vez, não posso me furtar de escrever algumas reflexões, sob pena de ser conivente com as diversas reações dos capoeiristas também presentes e de negar o meu convívio com a Turma de Bimba.
Após um tempo de andamento, o toque pedido para a bateria foi “Benguela”. Os instrumentos estavam dispostos da seguinte forma (dir. p/ esq.): agogô; atabaque; três berimbaus e dois pandeiros. Houve uma rápida troca de informações entre os componentes da bateria, pois quem estava no berimbau grave (Berra-boi) é defensor da Capoeira Angola; portanto, distanciado por opção de um toque derivado da Capoeira Regional. Vendo o impasse, alguém disse: “É o toque de Angola com mais uma batida da nota presa (com o dobrão).”.
Parece uma pergunta batida, mas é necessária para esse texto: “É Banguela ou Benguela?”. Mestre Toni Vargas sugere, em seu último disco, perguntar a Seu Bimba. Sintetizo essa sugestão no fato de olhar a capa do disco de Mestre Bimba - Curso de Capoeira Regional - e constatar que ali está escrito “Banguela” (com ‘a’). Alguns até cometem a injúria de dizer que Mestre Bimba queria dizer “Benguela”, mas não o fez por questões de dificuldade de pronúncia. Mestre Bimba, com a assessoria de seus alunos universitários, que dialogavam até sobre a melodia e o encaixe das letras nas quadras, permitiria um “erro gráfico” em seu disco? Penso eu que não. Assim, para o Mestre e criador do toque, era Banguela mesmo.
Mestre Nenel confirma e acrescenta que o toque de Banguela não é “o toque de Angola com mais uma batida da nota presa”; demonstrando, com fidelidade ao disco, a base do toque como sendo: “um chiado, uma solta (sem o dobrão) e apenas uma presa (com o dobrão)”. Segundo ele, desde que seja harmônico com o que está na gravação de Mestre Bimba, tudo o que vem além da base citada seria variação do toque criado por seu pai.
A visão holística de Mestre Nenel permite afirmar que o toque de Benguela (com ‘e’) até existe, mas que não foi criado por Mestre Bimba. É uma mistura do toque de Angola com variações da Banguela, em que se permite tocar numa bateria (com três berimbaus), que foi denominada de Benguela.
Vale destacar que os toques da Capoeira Regional – Banguela, Idalina, São Bento Grande, Amazonas, Iúna, Santa Maria e o Hino - são tocados apenas em charanga: um berimbau e dois pandeiros.
A Capoeira é essencialmente dialética e dinâmica e por ser uma manifestação que se espalhou pelo mundo muito recentemente recebe milhares de análises em seus diversos aspectos – teórico, técnico, didático, tático, filosófico etc. - e cada uma delas baseada na realidade de cada norteador de um trabalho (entenda-se: Mestre, Professor, Instrutor etc.). Até aqui, vemos a fortaleza da Capoeira: a junção dos diversos pontos de vista que fazem com que ela não seja monopolizada em única verdade; e, sim, descentralizada em diversas faces de uma mesma manifestação. O que não é salutar é a imposição de uma verdade em detrimento de outra, gerando a perda de criatividade e a estabilização dos conhecimentos.
Desta forma, é difícil dizer que algo é errado na Capoeira. Como “condenar” (com risos, espanto etc.) o cidadão que fez uma chamada no toque de “Benguela” tocado numa bateria de Capoeira Angola? Eu prefiro deixá-lo com a sua verdade.


Inscrições no link: http://bit.ly/capoeiraregional


Nenhum comentário:

Postar um comentário